Lysistrata ou como se sentir bem em seu próprio corpo é um ato de poder

Luduvicu
3 min readJun 5, 2021

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Tem uma cena de “Dietland” que a protagonista, obesa e complexada com sua forma, senta ao lado de uma conhecida, magra de rosto desfigurado. Ambas vêem um pornô onde a atriz, de corpo perfeito, é agredida, abusada e usada como um dublê de boneca, um mero buraco a ser invadido e violentado. Elas sabem que a atriz da cena fora assassinada. A mulher com cicatrizes no rosto comenta “Ela tem o corpo perfeito, ela é objeto de desejo e o que isso trouxe a ela? Dor, agressão, falta de cuidado e ausência de satisfação e carinho, como a todas nós. O corpo desejado não trouxe afeto e respeito como esperamos que teriamos ao nos sentir confortáveis com nosso proprio corpo”

Porque o ódio ao corpo da mulher pelo patriarcado se manifesta de diferentes maneiras e oprime de diferentes maneiras (uma obviamente não comparável à outra).

E o amor verdadeiro (próprio ou vindo de fora) dificilmente se assentará sobre a forma e a aparência dos corpos.

O que me lembra da história de Kim Phúc. Kim vivia uma vida normal quando, aos seu 8 anos, em 1972, do céu choveu fogo. Esse momento da vida dela foi eternizado numa foto que ganhou o Pulitzer. Seu corpo ficou coberto de cicatrizes e ela se tornou um fantoche do governo do seu país.

Kim disse acreditar que nunca conseguiria ser amada por seu corpo, coberto de cicatrizes. Em 1986 ela teve autorização do governo vietnamita para estudar na Universidade de Havana. Lá ela conheceu Bui Huy. Ao se referir a o momento que o conheceu, ela sorri e diz “ele era tão lindo”.

Ele a amou por quem ela era. Sobre as cicatrizes, ao acariciá-la ele dizia “Toda vez que toco suas cicatrizes ou as vejo, te amo mais pois sei o quanto você sofreu”. Eles se casaram em 1992 e tiveram autorização para passar a lua de mel em Moscou.

No retorno, o avião parou no Canadá para abastecer. Sem saber inglês ou francês e tendo apenas a roupa do corpo, Kim convenceu o marido a descerem e pedirem asilo político. Disse ao marido “temos um ao outro e temos liberdade. Basta.

Hoje Kim vive com o marido e os dois filhos no Canadá. É livre. E amada.

E sobre a foto que a amaldiçoou a uma vida de uso político e cristalizou aquele momento de sofrimento máximo de sua vida, ela fez as pazes com ela.

Kim Phúc, vítima do ataque com a bomba de Napalm ao vilarejo no sul do Vietnã
Kim e Nick Ut

Até hoje mantém contato íntimo com o fotógrafo, a quem carinhosamente se refere como Tio Ut.

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