A Todos os Rapazes que já amei

Luduvicu
11 min readNov 30, 2022

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Um pequeno mise en place das coisas a lembrar, sem um par romântico específico

Eu amava pegar sua camiseta, vestí-la e passar o dia não só sentindo seu cheiro, mas também a sensação de que aquilo que te recobria e protegia muitas vezes, agora me envolvia. Ser abraçado por esse tecido. Sentir a luz da manhã que me acordava, olhar para o lado e ver você ainda dormindo. Passar os dedos suavemente na pele da parte do seu corpo mais próxima do meu, o braço, o antebraço, a bunda, o couro cabeludo, o pau, a mão. Sentir na ponta dos meus dedos o toque aveludado do seu corpo. Se levantar com o alarme, tomar banho, me arrumar, e cheirar sua nuca antes de ir trabalhar. Sair sorrindo pelo ato maroto, quase transgressor de fazê-lo na surdina, sem te acordar. Uma experiência minha, que você raramente lembrava. Que você tinha uma 3X4 minha na sua carteira. Que eu tinha uma 3X4 sua na minha carteira. Daquela noite que você foi à minha casa para comermos uma pizza e você só foi embora dois dias depois. Quando tomávamos banho juntos e, enquanto fofocávamos, eu dizia “vai, vira que eu vou te ensaboar” e você imediatamente virava e continuava o que estava dizendo. Porque já era banal. Quando você, que até então odiava café, pedia a minha xícara para sentir o aroma antes de eu beber. E como você passou a tomar café. Quando nos entediamos com o jogo do Brasil na copa e resolvemos transar, parávamos a cada gol para verificar de quem era. Riamos achando que estavam reprisando. Só era o 7X1. Quando você encasquetou de me chamar de cantinho do meu fígado porque leu que isso era carinhoso na Bulgária ou outro país sem qualquer relação com nenhum de nós. E eu jamais consegui entender de onde surgiu isso. Que você guardava no celular uma foto da minha carteira de identidade profissional para mostrar às pessoas, não por carteirada, mas porque eu estava sorrindo na foto e você achava lindo. Que você colocava mensagens carinhosas no meio dos livros que eu carregava comigo, para encontrá-los no meio da leitura. Quando eu estava na pós, abria um livro e encontrava um bilhete. Como você me agradecia pelos fins de semana, por escrito. Quando completamos um mês de namoro e você me mandou um buquê de rosas vermelhas colombianas no trabalho. Como eu quis te matar, mas, sim, gostei do gesto. Na nossa primeira noite juntos você, destrambelhado, derrubou algumas louças da parede, as quebrou e, nu, se pegou a limpar o chão. Eu, bêbado, olhei pr’aquilo me peguei emocionado. Das inúmeras fotos que eu tirava sempre de você sem que você fizesse ideia. Nos mais diferentes locais, sob as mais variadas iluminações. Quando eu sofri acidente, você entrou desesperado na sala de emergência e ficou me acompanhando até a hora de irmos embora. De vez em quando você dizia que ia lá fora tomar água mas mandava mensagem para Gislaine desesperado pedindo pra ela traduzir o quadro clinico e se acalmar. De sempre te encontrar, te beijar, levantar delicadamente sua camiseta com um dedo, colocar minha mão ali embaixo e repousá-la sobre seu flanco. Sentir sua pele era meu checkpoint. De sempre te encontrar, te beijar e repousar minha mão sobre sua nuca. Sentir sua pele era meu checkpoint. De sempre te encontrar, te beijar e passar a mão numa verruguinha que você tem na lateral do seu magro abdome. Você sempre reclamava pois achava que eu iria cutucá-la. Sentir esse o relevo acidentado da tua pele era meu checkpoint, como se eu tivesse chegado ali novamente, porque eu tinha tanto medo de te perder. Um mãe-cola sentimental. Do contorno dos seus lábios. Do formato dos seus pés. De como você ficava lindo dormindo. Eu geralmente tirava fotos para vê-las depois. De como você perguntava o nome dos atendentes e prestadores de serviço e os decorava. E os repetia olhando nos olhos da pessoa. Do serpentear da tatuagem das suas pernas. De como você dizia que eu era sua musa para cozinhar. E isso vinha sempre acompanhado dos mais diferentes aromas e apresentações de pratos que você preparava. As suas coxas quando você acordava ainda lentificado e sentava com as pernas abertas ao meu lado, ainda se coçando e bocejando. Da expressão no seu rosto ao experimentar coisas diferentes, fechando os olhos e lentamente soltando a cabeça em direção a um dos ombros e gemendo. Quando tinhamos acabado de dar match no tinder durante um carnaval e você disse estou pensando em sair para tomar um café, que tal você me acompanhar e nos conhecermos melhor? e ficamos juntos por um dia inteiro, fingindo estarmos casados. Da nossa brincadeira de eu fingir estar desmaiado na cama e você me encher de beijos. Nos lugares mais variados, com ou sem gente ao redor. O dia que você falou que ia decorar meu rosto e encontrou o símbolo do infinito na minha barba.

De comprarmos o 2X1 para conhecermos novos lugares e nos empolgarmos com toda a experiência. De você ficar completamente transtornado quando eu aparecia em casa com uma nova tábua de cozinha e me perguntava bufando mas precisa disso?, como se eu fosse a fonte de todo teu sofrimento. E eu sempre respondia nós dois sabemos a resposta. O ondulado dos seus cabelos e como sua franja caia sobre sua testa. De ficarmos conversando até tarde sobre os assuntos mais banais, seja ao vivo, seja pelo celular. De como você me abordou no Grindr e eu passei dois dias conversando contigo convicto de se tratar de um perfil falso, pois lindo e interessado. De como você sempre me avisava que ia dormir dizendo cheiro. Do seu jeito carinhoso de dizer “agora silêncio absoluto que eu vou trabalhar”. E reaparecia logo, como se nem tivesse saido. De como o Carnaval se aproximou, você disse não se sentir bem no meio de multidões e acabou me acompanhando no primeiro, no segundo, no terceiro bloquinho. E não nos desgrudávamos. De como nós perdemos e ainda assim você me reencontrou. E voltamos pra casa juntos. Como você me falava das coisas da cidade e sobre design de carros enquanto andavamos pela cidade. Como você me falava sobre os prédios e coisas de urbanismo enquanto andávamos pela cidade. Como um mandava um email ao outro no início da manhã e passavamos o dia respondendo um ao outro e no fim do dia esse email tinha mais de 300 respostas. Da sua tentativa de ser carinhoso comigo me chamando de negrinho e eu precisar te explicar que eu tinha um histórico ruim com esse apelido. Você até tentou ressignificá-lo, mas desistiu por compreender que não seria esse o meu apelido carinhoso. Do seu jeito peculiar de surgir a qualquer momento com as curiosidades mais aleatórias possíveis e como era incompreensível como sua mente chegou a essa informação. Como você compartilhava ela comigo. E era importante pra você e, por consequência, para mim. O dia que minha mãe sofreu acidente, cheguei em casa e ao vê-lo no sofá me esperando, cai nos prantos sem conseguir dizer o que tinha acontecido. Você levantou, me abraçou e disse vamos, vou te dar um banho enquanto você me conta o que aconteceu. A minha rotina de me preparar lá pelas nove da manhã prate responder efusivamente quando você escrevia bom dia meu amor e eu logo perguntava se você tinha dormido bem. Sua paixão em me falar de Sevilha. Sua paixão em se programar para shows. Sua paixão em programar viagens. Quando você disse que era pra eu chegar mais tarde porque você iria fazer uma surpresa e encheu a sala de velas para jantarmos. De como nos conhecemos no dia 13 mas você sempre dizia ser no dia 12 e eu precisava te lembrar que você me deixou esperando até a uma da manhã pra levar seus amigos pra casa, já tinha passado da meia noite. E você não acreditar e então eu puxar print. O encaracolado do seu cabelo fino e como era gostoso colocar os dedos na sua nuca roçando seu couro cabeludo.

A quantidade de vezes que você me falou sobre a origem da sua cicatriz no nariz e como eu fazia de conta nunca ter ouvido para ouvir de novo e mostrar surpresa. Seu sorriso ao me ver chegar. Ouvir a chave na porta, você abrir a porta lentamente e sorrir para mim antes de tirar os tênis e vir me beijar. Como você ficava roçando o pezinho dos meus cabelos quando eu voltava do cabelereiro, me beijando o pescoço, rindo e dizendo parece um tapetinho. Do seu sotaque mineiro, apesar de você não ser mineiro. Do seu sotaque sergipano. Do seu sotaque paulista. Do seu sotaque mineiro, apesar de você também não ser mineiro. Seu sotaque baiano. Você sempre passando carmex nos lábios pois desde que você usara Roacutan eles ficaram ressecados. De como você puxava papo com a caixa do mercado e ria da interação, como se fossem íntimos. Como você me fazia rir a qualquer momento, de qualquer coisa. De cairmos na gargalhada até mesmo durante o sexo e continuarmos transando. E ser muito bom. De como você me apresentava aos seus amigos complementando com ele é amigo Masp. Pois você é um palhaço. Do melhor primeiro encontro da minha vida, em que passamos a tarde na exposição de arte falando mal das pessoas e dos ítens, você me chamou depois para um evento de sua amiga, nos divertimos mas não trocamos carinho. A noite terminou, eu estava conformado que seriamos amigos e enquanto esperávamos o uber você me empurrou contra o piloti do MAC-USP, me beijou e disse que estava a noite toda esperando por isso. Quando nos encontramos em Verona, fomos para o quarto do hotel e transamos como se não nos vissemos há anos. A maneira como você se enrolava em mim como se eu fosse um travesseiro e dormia confortavelmente dessa maneira. O dia do nosso primeiro encontro em que fui te buscar em casa de carro e eu estava usando uma jaqueta de couro e você sempre lembrava disso. De como um dia eu contei a sinopse de Lost apaixonadamente e você resolveu assistir. E nós assistiamos juntos. E sempre que você perguntava sobre algo da trama eu respondia não sei. De quando você chegou à minha casa após meses distanciados fisicamente conversando por celular e meu coração disparou como se eu estivesse correndo e eu me espantei com a minha empolgação pela sua presença. Quando eu sem querer te deixei com um chupão no pescoço e mesmo com comoção que foi pra esconder aquilo, sua tia viu de primeira, rindo da sua cara. Como você reconhecia que minha mãe estava me tirando do sério, olhava fundo nos meus olhos e ficara sorrindo e olhando dentro de mim até eu me acalmar. Como você entendia que me conheceu num momento horrível, ainda assim me abraçava, me beijava, segurava minha cabeça e olhando nos meus olhos perguntava você está feliz. E eu me sentia confortável em dizer não sei seguido de uma risada. Como eu sempre te respondia será? só pra te irritar. Como eu entendia pela sua respiração que você ia gozar e eu conseguia acompanhar o ritmo para gozarmos junto. Você entendia que eu estava trabalhando demais e me mandava email no meio do dia dizendo que tal fazermos isso hoje quando você chegar? e eu respondia com com o todo prazer, vamos. Você chamava a Marina e eu de Gilmar Mendes e Aecio, reconhecendo nossa cumplicidade. Quando iamos dormir, você me abraçava e enrolava os braços ao redor do meu peito e colocava a cabeça bem próxima da minha como se estivessemos na garupa de uma moto em alta velocidade e ainda assim era delicioso. Como você semicerrava os olhos de maneira desconfiada e dizia será que sou? quando eu dizia que você era lindo. Quando você semicerrava os olhos da maneira maneira desconfiada e perguntava por que você mente? quando eu dizia que você um gostoso. Quando voltamos e durante o sexo você lambeu minha tatuagem. Sua paixão por podcasts. Sua paixão por séries policiais. Sua paixão por vinho verde. Como você encostava a cabeça na minha durante o sexo e sussurrava as coisas mais românticas possíveis. Quando te contei que eu era uma criança muito pobre e no colégio que eu estudava, as crianças compravam kinder ovo no recreio e um dia você apareceu em casa com um kinder ovo envolto em papel de presente. Foi o melhor presente da minha vida. Quando iamos dormir, eu te abraçava por trás e colocava uma das mãos no meio das suas coxas e te puxava pra perto de mim. O dia que invadimos o hotel juntos para ficarmos na piscina. Quando você leu em algum lugar que dormir sem roupa acalmava e sugeriu que fizessemos. E como precisamos voltar a usar roupas pois acabavamos transando toda manhã e ambos nos atrasávamos. No domingo eu acordava e você estava lendo na rede na minha frente e tomando café, em silêncio. E vinha me beijar quando eu acordava. Eu dormia no uber e você me abraçava segurando minha cabeça. Você se referia a alguém como amigo(a) e, eu perguntava amigo amigo ou conhecido? e você concluia é, é conhecido. Como você fazia belas playlists. Como você era a pessoa mais cuidadosa com seus amigos, levantava no meio da noite para ajudá-los, mesmo eles reconhecendo pouco isso. Você fazia porque era quem você era e como você gostava de fazer. Quando você cozinhou camarão pra mim mesmo sendo extremamente alérgico e me averiguava como um investigador enquanto eu experimentava. Quando saíamos você sempre estava buscando minhas mãos, me buscando, se fazendo presente mesmo se conversávamos com outras pessoas ou estávamos em silêncio entre os outros. Quando você dormia antes do filme terminar e eu ficava fazendo cafuné em você e cheirando sua cabeça. Quando eu dormia antes do filme terminar e você, depois de terminá-lo, me chamava com carinho pra subirmos pro quarto e dizia que deixou o filme no ponto que eu dormi para continuar no dia seguinte. A maneira como você falava dormindo. Todas as experiências novas que compartilhamos. O que conhecemos juntos. O que um apresentou para o outro. O que um deixou dentro do outro mesmo após nos separarmos. Os hábitos, as rotinas, as preferências.

Como você entendeu que não me amava mais, tocou na minha porta, sentou na minha frente, disse isso com todas as palavras e foi embora. E eu nunca mais te vi, nunca mais tive sinais de você. Como você nunca conferiu a mim o ônus de seus momentos de duvida ou arrependimento momentâneo. E hoje te amo ainda mais por isso.

A Felicidade não é um diagnóstico retrospectivo e a conjugação mais bonita do verbo amar é no presente do indicativo.

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